Prezados Senhores :
Cumprimento-os, ao tempo em que peço vênia para remeter esta missiva ao tema da criação do Estado do Rio São Francisco. Filho de Itororó, a terra da carne-de-sol que faz muito sucesso aí na Expoagro, estudei agronomia na UFBA, em Cruz das Almas e vivi em Salvador por seis anos. Não há coisa melhor que o dengo da fala baiana, as areias da praia do Flamengo ou o sabor do acarajé com pimenta, sem falar nas festas populares que muito curti. Há mais de 30 anos vim trabalhar aqui no "Além São Francisco" e estranhei ainda ser território baiano pois não tinha nada de baianidade. Mas fiquei. E fui ficando e conhecendo o folclore e a cultura e a histórias e as gentes. Sim, as gentes porque, já naquele tempo, isso aqui era um caldeirão de culturas. Tinha
gente da Barra, de Juazeiro, de Pirapora, de Goiânia, do Piauí, de Minas Gerais e até de Salvador. E olhe que a maior cidade era Barreiras, com 20.000 habitantes (Censo do IBGE, 1970). Tenho certeza que os senhores, como litorâneos, não conhecem a saga deste nosso oeste. A história é antiga; remonta aos tempos do Império. Naquela época, todo este imenso território, de 174.000 km2, formava a Comarca do Rio São Francisco.
"E se culpa existe, cabe ao Arquiteto do Universo que fez brotar o Grande Rio São Francisco, do alto da serra da Canastra nas Minas Gerais e o mandou correr pra cima separado esta nossa Nação Oestina, do resto da Bahia!"
- Em 1824, D. Pedro I, para punir os pernambucanos pela Confederação do Equador
(veja Frei Caneca), mutilou Pernambuco, passando este imenso território "em caráter
provisório” para a província de Minas Gerais. Como aqui não tinha ouro, Minas nunca se interessou pelo legado, que ficou abandonado por três anos;
- Em 1827, o Marques de Inhambupe apresentou um projeto reincorporando esta área à província de Pernambuco, o que não era do agrado do governo central, que então determinou sua incorporação "em caráter provisório” à Bahia;
- Em 1830, o deputado pernambucano Luiz Cavalcante, lançou um projeto na Câmara, criando a Província do São Francisco, compreendendo toda a margem esquerda do Velho Chico, em domínio “provisório” da Bahia, sem sucesso;
- Em 1850, o Deputado João Maurício Mariani Wanderley, Barão de Cotegipe, apresenta projeto de criação da Província do Rio São Francisco, em vão;
- Em 1922, o empresário barreirense e nacionalista Geraldo Rocha, diretor do Jornal A Noite, escreve: "Este rio – no dia em que a miopia dos nossos governantes se extinguir - será o celeiro do país" e manda vir engenheiros franceses, às suas expensas, para estudar as potencialidades da irrigação e da lavoura do algodão irrigado no Vale do Rio São Francisco.
- Em 1925 o barreirense David Gomes encetou um movimento emancipatório em Sta. Ma. Da Vitória, chegando até a encomendar um hino para o Estado do Rio São Francisco, ao compositor Pedro Leite. Este hino foi resgatado pelo sociólogo, escritor e professor Clodomir Moraes;
- Em 1928, Osório Alves de Castro, de Santa Maria da Vitória, lança o livro “Porto Calendário”, laureado depois com o Prêmio Jabuti (o mais importante da literatura brasileira), e o dedica ao seu avô, já à época defensor da criação do Estado do Rio São Francisco; - Em 1929, 1931 e 1950, o grande Barbosa Lima Sobrinho escreve verdadeiros tratados sobre a inconstitucionalidade do Decreto Imperial que retirou este território de Pernambuco e defende bravamente sua reintegração àquele estado, sem êxito;
- Em 1987, o barreirense Marlan Rocha, o último herói desta saga, busca os deputados baianos no Congresso Nacional para apresentar o Projeto de Criação do Estado do Rio São Francisco, mas nenhum teve coragem de assumir esta bandeira, aparecendo então o pernambucano Gonzaga Patriota, que conhecendo toda a história, subscreve e apresenta o projeto,sendo derrotado na Assembleia Nacional Constituinte de 1988;
- Em 2007, o Deputado Gonzaga Patriota apresenta novamente o projeto, que aprovado em todas as Comissões, esbarra na Comissão de Constituição e Justiça.
- Ademais, Srs, ninguém aqui quer mutilar a Bahia. Ao se insistir em usar este verbo, devo dizer que ela já nasceu mutilada. E se culpa existe, cabe ao Arquiteto do Universo que fez brotar o Grande Rio São Francisco, do alto da serra da Canastra nas Minas Gerais e o mandou correr pra cima separado esta nossa Nação Oestina, do resto da Bahia! Como se vê, esta história vem de longe senhores. Não são os produtores rurais e nem é o agronegócio que querem a nossa independência. Reportem se um pouco à história do Brasil, lembrem-se da Inconfidência Mineira. Os inconfidentes queriam libertar o Brasil do jugo de Portugal, dos impostos escorchantes; queriam autonomia administrativa e política, tudo normal se não visto só pelo lado dos tiranos, dos colonizadores. Tudo é relativo, senhores. Depende do ângulo de visão. Se nós olharmos daqui pra lá, nós não somos o “Além São Francisco” como vocês litorâneos nos apelidaram. Nós daqui, nos consideramos “Aquém São Francisco”. O saudoso Marlan Rocha diria: “Litorâneos! Não derramais vossos olhos sobre a nossa pujante produção de soja, algodão e milho! Saibais que, dos 35 municípios que compõem nossa Nação Oestina, apenas SETE participam desta moderna tecnologia produtiva. Os outros todos são carentes. Carentes de tudo. De estradas, de escolas, de hospitais, de segurança pública. Também os municípios produtores são carentes de assistência governamental, lembrando os tempos dos inconfidentes. Portanto senhores, aceitem nossa luta, deixem-nos com nossos sonhos, nossa utopia.
"A comunidade oestina não está cometendo nenhum crime senhores, apenas cumprindo dispositivo constitucional (Art.18, Parágrafo 3º) que permite a criação de novos estados."
Sei que os senhores não sabem, mas foram necessários 4,5 séculos para uma rodovia ligar o rio Paraguaçu ao rio São Francisco. Pois é: A BR-242 foi construida pelo Governador Luiz Viana Filho na década de 60. Mas só até Ibotirama...Dalí para Barreiras (207 km) só o Governo Figueiredo a iria concluir quase 20 anos depois. A comunidade oestina não está cometendo nenhum crime senhores, apenas cumprindo dispositivo constitucional (Art.18, Parágrafo 3º) que permite a criação de novos estados. - Os senhores sabem por que o rio consegue chegar ao mar? – Pela sua capacidade de contornar obstáculos. Como os peixes na subida suicida da Piracema: “Não tem barragem, nem salto, nem cachoeira, na subida aventureira da procriação.” Assim, não tem Sobradinho, não tem Paulo Afonso e nem Assuã que impeça nosso Rio São Francisco de chegar ao Delta da Independência! Muito obrigado.
Atenciosamente,
Durval Nunes.